domingo, 5 de abril de 2015

DEBATE: DEUS EXISTE?



Em entrevista publicada pela revista Superinteressante o cardeal arcebispo da cidade de São Paulo,  Dom Odilo Scherer, e o filósofo americano, Daniel Dannett, ateu e evolucionista radical, debatem sobre a existência de Deus.


PERFIS:

DOM ODILO SCHERER

Tem 59 anos. Nasceu em Cerro Largo, no Rio Grande do Sul.
Mestre em filosofia e doutor em teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma.
Ordenou-se padre em 1976, no Paraná.
Foi oficial da Congregação para os Bispos (1994 a 2001), bispo auxiliar de São Paulo ( 2002 a 2007) e secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (2003 a 2007).
Nomeado cardeal arcebispo de São Paulo, pelo papa Bento XVI em 16 de março de 2007.







DANIEL DENNETT

Tem 67 anos. Nasceu em Boston, nos EUA, mas passou boa parte da infância em Beirute, no Líbano - onde o pai trabalhou como espião, durante a 2ª Guerra Mundial.
Formado em Harvard e doutorado em Oxford, é codiretor do centro de Estudos Cognitivos da Universidade Tufts, nos EUA.
É especialista em dois ramos complicados do conhecimento filosófico: a filosofia da mente (relacionada às ciências cognitivas) e a biofilosofia (ligada à biologia evolutiva).
Membro da Academia Americana de Artes e Ciências desde 1987, encabeça o "ranking" dos críticos ferozes à crença em Deus - ao lado de Richard Dawkins e Steven Pinker.


Deus existe? Qual é a prova mais contundente de que Ele existe ou não?

DOM ODILO SCHERER
Sim, Deus existe. Mas é muito difícil falar em provas, no sentido científico. A afirmação ou a negação de Deus não está sujeita a isso, pois Ele não é objeto de ciência experimental, mas de outro tipo de conhecimento. Nossa razão e a razoabilidade das coisas requerem a existência de Deus. Dessa forma, podemos dizer que ela é evidente e se impõe por si mesma sobre a nossa razão.

DANIEL DENNETT
Deus significa tantas coisas que essa pergunta é impossível de ser respondida. Para alguns, Ele é apenas um nome para a beleza do Universo, e não tem nada a ver com forças sobrenaturais. Esse Deus, obviamente existe. O que não existe é um agente sobrenatural que responde às nossas preces ou supervisiona e guia a evolução das coisas. A humanidade acredita em Deus há milhares de anos. Só que, agora, já sabemos por quê. Até aqui, foi natural para o homem acreditar em algo divino, uma espécie de infância da evolução humana. Mas nós nos tornamos maiores do que Deus.


A Teoria da Evolução não é uma prova da inexistência de Deus?

DOM ODILO SCHERER
Não, absolutamente. Nem Darwim quis afirmar isso. A evolução das espécies não se opõe à existência de Deus.


DANIEL DENNETT
Antes da Teoria da Evolução, era compreensível atribuir a Deus a existência de um desing inteligente na natureza. Depois dela, tudo mudou. Hoje, podemos provar como surgiram formas de vida tão variadas e complexas. A teoria de Darwin é uma explicação muito melhor para isso do que Deus. Não precisamos mais nos render à tentação de acreditar em um ser superior que criou tudo. Agora essa ideia parece incoerente.

Apesar da ciência, ainda é possível acreditar no sopro divino - o momento em que o Criador deu vida até ao mais insignificante dos micro-organismos?

DOM ODILO SCHERER
Claro que sim. Estaremos falando sempre que, em algum momento, começou a existir algo, para poder evoluir em seguida. O ato criador precede a possibilidade da evolução: só evolui algo que existe. Do nada, nada surge nem evolui. Uma vez existindo algo, a evolução é possível. Ela não explica a existência, mas pode explicar os modos de existência.

DANIEL DENNETT
É claro que é possível, assim como se pode acreditar que um super-homem veio para a Terra há cerca de 530 milhões de anos e ajustou o DNA da fauna cambriana, provocando a famosa explosão de vida daquele período. Mas não há razão para crer em fantasias desse tipo.


Deus é a explicação mais fácil para o que o homem não consegue compreender?

DOM ODILO SCHERER
Deus é certamente a mais convincente. A ciência pode explicar o modo de existir das coisas, mas a existência é objeto apenas de hipóteses. Eu não afirmaria que Deus é uma hipótese fácil ou cômoda para explicar tudo. A inteligência humana não fica impedida nem desestimulada de buscar outras explicações. Mas, ao lado de muitas hipóteses para explicar o mundo, a existência de Deus é, no mínimo, uma possibilidade convincente.

DANIEL DENNETT
É a explicação mais fácil até que se conheçam as respostas da ciência. Depois que você se informa, a hipótese de Deus torna-se incrivelmente improvável.

Acreditar em Deus é bom ou ruim para a humanidade? Por que tanta gente acredita? E qual é o futuro da crença?

DOM ODILO SCHERER
Já houve quem colocasse a seguinte alternativa: "Ou Deus, ou o homem" - como se Deus rivalizasse com a humanidade. Entendo que essa alternativa decorre de uma compreensão insuficiente de Deus e também de formas inadequadas de manifestar a fé em Deus. A fé verdadeira é boa para a humanidade. Muita gente continua a crer em Deus porque compreende, de maneira acertada, que não se pode atribuir a Ele a origem dos males que afligem a humanidade. Cometer atos de violência em nome da fé é uma aberração - um ato do homem, não de Deus. E o conhecimento científico não precisa ser visto como ameaça. Pelo contrário: a ciência vai mostrando a sabedoria de Deus e a beleza daquilo que lhe deve a existência. É um mito a ideia de que a ciência vai acabar com a fé.

DANIEL DENNETT
Se tivermos sorte, a crença em Deus vai desaparecer aos poucos, mas provavelmente nunca vai acabar. Muitas pessoas que dizem acreditar não têm qualquer compromisso com este ou aquele Deus, elas apenas acham que acreditar é bom. Trata-se daquilo que chamo de "crença na crença". Mas acreditar é ruim, porque atravanca a evolução humana. Quando a maioria entender isso, a ideia de Deus tenderá a se extinguir.

Como seria a humanidade se a crença em Deus simplesmente não existisse?

DOM ODILO SCHERER
Se não houvesse Deus, nem estaríamos fazendo esta entrevista. Nada existiria. Encontrar a fé em Deus não é sempre fácil e pode demandar muita busca, até angústia. Mas é certo que ela traz paz e conforto quer à inteligência, quer ao espírito humano. A fé faz a gente encontrar o próprio lugar diante do grande Tu, que dá sentido e valor à existência.

DANIEL DENNETT
Mais feliz, menos torturada pela culpa.

O senhor admite a hipótese de estar errado em suas convicções?

DOM ODILO SCHERER
Tudo seria um absurdo sem Deus... Teríamos de colocar algo no lugar Dele, algo que fosse exatamente como Ele.

DANIEL DENNETT
Já admiti essa possibilidade, é claro, como todo mundo. Passei anos e anos analisando cuidadosamente essa questão da fé. Mas acabava chegando sempre à mesma conclusão: Deus não existe.

As religiões mudaram bastante nos últimos 100 ou 200 anos. Por quê?

DOM ODILO SCHERER
Porque elas são fenômenos culturais e manifestam sua convicções de fundo com expressões culturais. A cultura muda e as religiões também. Mas a verdade que dá origem às religiões permanece inalterada: a busca pelo Tu misterioso que interpela o coração humano.


DANIEL DENNETT
Como a humanidade aprendeu muito sobre tudo, e superou a xenofobia em certo grau, nos tornamos capazes de refletir sobre nossas tradições e de identificar nelas os "defeitos" que precisam ser reparados. Assim, universalmente, a humanidade foi mudando os seus conceitos. O Velho Testamento, por exemplo, aceita o trabalho escravo, o infanticídio, o marido que bate na esposa, a punição com a pena de morte. Hoje, sabemos mais sobre o mundo e sobre nós mesmos.

Por que as pessoas recorrem a Deus nos momentos de dificuldade, mesmo aquelas que não demonstram qualquer religiosidade no dia-a-dia?

DOM ODILO SCHERER
A descrença em Deus também pode ser um fenômeno cultural. Numa cultura que faz pouco caso da religião, é fácil que as pessoas não liguem muito para a ela e, talvez, nem sintam falta. Mas, na angústia, quando a pessoa experimenta seu limite, ela vai em busca de sentido, de superação. Poderíamos dizer que o homem não é descrente por natureza. Ao contrário, ele tende para Deus.

DANIEL DENNETT
Por que elas simplesmente perdem a razão. Quando sofrem, as pessoas acabam se apegando a fantasias. Não defendo perturbar a paz de quem acredita ou roubar desse indivíduo o alívio que a crença em Deus possa representar para seus sofrimentos. A não ser que essa crença conduza a algum tipo de ação imoral. Levar pessoas de bem a fazer coisas ruins é uma especialidade das religiões.



Referência Bibliográfica:

Revista Superinteressante: Deus: O que existe acima de nós? As respostas das religiões (e as da ciência) para a pergunta mais inquietante de todos os tempos. Edição 263 -A - Março de 2009; Editora Abril, São Paulo; SP.

quarta-feira, 1 de abril de 2015

Quem Criou Deus?

À luz de todas as comprovações para o início do Universo espaço-tempo, o Iniciador deve estar fora do Universo espaço-tempo. Quando se sugere que Deus é o Iniciador, os ateus rapidamente fazem a antiga pergunta: “Então quem criou Deus? Se tudo precisa de uma causa, então Deus também precisa de uma causa!”.
Como já vimos, a lei da causalidade é o fundamento da ciência. A ciência é a busca pelas causas, e essa busca é baseada em nossas observações coerentes e uniformes de que tudo o que tem um começo teve uma causa. O fato é que a pergunta “Quem criou Deus?” destaca com que seriedade levamos a lei da causalidade. Toma-se como certo que praticamente tudo precisa de uma causa.
Então por que Deus não precisa de uma causa? Porque a posição dos ateus não compreende a lei da causalidade. A lei da causalidade não diz que tudo precisa de uma causa. Ela diz que tudo o que venha a existir precisa de uma causa. Deus não veio a existir, ninguém fez Deus. Ele não é feito. Como ser eterno, Deus não tem um começo e, assim, ele não precisou de uma causa.
“Mas, espere um pouco”, vão protestar os ateus. “Se você pode ter um Deus eterno, então eu posso ter um Universo eterno! Além do mais, se o Universo é eterno, então ele não teve uma causa.” Sim, é logicamente possível que o Universo seja eterno e que, portanto, não tenha tido uma causa. De fato, só existem duas possibilidades: ou o Universo é eterno, ou alguma coisa fora do Universo é eterna (uma vez que algo inegável existe hoje, então alguma coisa deve ter existido sempre. Só temos duas opções: o Universo ou algo que tenha causado o Universo). O problema para o ateu é que, enquanto é logicamente possível que o Universo seja eterno, isso parece não ser realmente possível. Todas as evidências científicas e filosóficas (segunda lei da termodinâmica, princípio da relatividade de Einstein, radiação do Big-Bang, o universo em expansão, diminuição da radioatividade e o argumento cosmológico kalam) nos dizem que o Universo não pode ser eterno. Assim, descartando uma das duas opções, ficamos apenas com a outra: alguma coisa fora do Universo é eterna.
Ao chegar a esse ponto, existem apenas duas possibilidades para qualquer coisa que exista: 1) ou essa coisa sempre existiu e, portanto, não possui uma causa, ou 2) ela teve um início e foi causada por alguma outra coisa (ela não pode ser sua própria causa, porque teria de ter existido antes para poder causar alguma coisa). De acordo com essa comprovação decisiva, o Universo teve um início, e, portanto, isso deve ter sido causado por alguma outra coisa — algo fora de si mesmo. Note que essa conclusão é compatível com as religiões teístas, mas não está baseada nessas religiões: está baseada em razão e provas.
Então, qual é a Causa Primeira? Alguém pode pensar que você precisa confiar numa Bíblia ou em algum outro tipo de assim chamada revelação religiosa para responder a essa pergunta, mas, outra vez, não precisamos de nenhum livro sagrado para descobrir isso. Albert Einstein estava certo quando disse: “A ciência sem a religião é aleijada; a religião sem a ciência é cega”. A religião pode tanto ser informada quanto confirmada pela ciência, como acontece no caso do argumento cosmológico, ou seja, podemos descobrir algumas características da Causa Primeira simplesmente com base na evidência que discutimos neste capítulo. Dessa evidência, sabemos que a Causa Primeira deve ser:
  • Auto existente, atemporal, não espacial e imaterial (uma vez que a Causa Primeira criou o tempo, o espaço e a matéria, a Causa Primeira deve obrigatoriamente estar fora do tempo, do espaço e da matéria). Em outras palavras, não tem limites ou é infinita.
  • Inimaginavelmente poderosa para criar todo o Universo do nada.
  • Supremamente inteligente para planejar o Universo com precisão tão incrível.
  • Pessoal, com o objetivo de optar por converter um estado de nulidade em um Universo tempo-espaço-matéria (uma força impessoal não tem capacidade de tomar decisões).
Essas características da Causa Primeira são exatamente as características teístas atribuídas a Deus. Mais uma vez, essas características não são baseadas na religião ou em experiências subjetivas de alguém. Foram tiradas da comprovação científica que acabamos de analisar e nos ajudam a ver uma seção importantíssima da tampa da caixa do quebra-cabeça que chamamos de vida.

Extraído do Livro: “Não tenho fé suficiente para ser ateu”, de Norman Geisler e Frank Turek